A Súmula 609 do STJ e a proteção do beneficiário diante da recusa de cobertura securitária por doença preexistente

A recusa de cobertura securitária sob alegação de doença preexistente é tema recorrente nas demandas judiciais envolvendo contratos de seguro de vida e seguro saúde. Não raras vezes, ao buscarem o pagamento da indenização em decorrência do sinistro, os beneficiários se deparam com a negativa da seguradora, que sustenta a existência de doença anterior à contratação do seguro como motivo suficiente para afastar sua obrigação de indenizar.
Esse cenário ensejou grandes debates, especialmente em razão do potencial desequilíbrio na relação contratual, marcada pela hipossuficiência do consumidor e pelo caráter de adesão dos contratos securitários.
Com o objetivo de uniformizar a jurisprudência e proteger os direitos dos beneficiários, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 609, cujo enunciado dispõe que “a recusa de cobertura securitária, sob a alegação de doença preexistente, é ilícita se não houve a exigência de exames médicos prévios à contratação ou a demonstração de má-fé do segurado.”
Essa orientação se consolidou após sucessivas decisões que reforçaram a necessidade de respeito aos princípios do Código de Defesa do Consumidor, especialmente a boa-fé objetiva, a transparência e a inversão do ônus da prova quando presentes os requisitos legais.
A jurisprudência do STJ, anterior e posterior à súmula, é abundante em casos nos quais se discute a licitude da recusa da cobertura pela seguradora. Em diversos julgados, como o AgInt no AREsp 868485 RS, sob relatoria do Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 22/08/2017, e o AgInt no AREsp 767967 RS, relatado pelo Ministro Raul Araújo em 03/08/2017, ficou estabelecido que a seguradora, ao deixar de submeter o proponente a exames médicos prévios, assume os riscos do negócio e não pode transferi-los posteriormente ao beneficiário.
Outros precedentes relevantes, como o AgInt no REsp 1280544 PR, relatado pela Ministra Maria Isabel Gallotti em 02/05/2017, e o AgRg no REsp 1359184 SP, do Ministro Marco Buzzi em 06/12/2016, reforçam que a alegação de omissão ou declaração falsa de doença preexistente exige demonstração clara da má-fé do segurado, cabendo à seguradora o ônus dessa prova.
Dessa forma, o verbete atribui consequências práticas relevantes para ambas as partes contratantes.
Para o beneficiário, garante proteção efetiva contra negativas abusivas, conferindo segurança jurídica ao afirmar que a simples ausência de declaração de doença preexistente não pode ser presumida como má-fé do segurado, tampouco servir como justificativa automática para o indeferimento do pagamento do capital segurado.
Para as seguradoras, impõe o dever de diligência no momento da contratação, exigindo que adotem procedimentos adequados para verificação do estado de saúde do proponente, sob pena de não poderem se eximir do dever de indenizar os beneficiários. Esse entendimento contribui para o equilíbrio da relação contratual, estimulando práticas mais transparentes e responsáveis no mercado de seguros.
Apesar da clareza do entendimento consolidado, há discussões doutrinárias e casos de contornos específicos em que se questiona, por exemplo, a extensão do conceito de má-fé, a suficiência de questionários de saúde, ou a aplicação da súmula em seguros coletivos empresariais. Ainda assim, o predomínio jurisprudencial é no sentido de proteger o beneficiário em situações de dúvida, fortalecendo a função social do contrato de seguro e a confiança legítima daqueles que dependem da proteção securitária.
Em resumo, a Súmula 609 do STJ representa um importante marco para o direito securitário brasileiro, ao estabelecer critérios objetivos para a recusa de cobertura em razão de doença preexistente e ao afirmar o compromisso do Poder Judiciário com a proteção do beneficiário, da boa-fé e da segurança jurídica nas relações de seguro.